A Transição para a Filosofia Moderna: o Ceticismo

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

 

Embora tenha existido céticos na Antigüidade e na Idade Média, que duvidaram de que o ser humano tenha conhecimento da verdade, ou mesmo que a verdade exista, o ceticismo nunca foi considerado, na filosofia pré-moderna, como uma conditio sine qua non da filosofia.

Contudo, alguns eventos importantes ocorreram por volta do século XVI, que começaram a criar um novo clima: o clima do ceticismo.

Um dos eventos importantes foi o surgimento da ciência moderna, especialmente no tocante à chamada hipótese heliocêntrica.

A hipótese geocêntrica postula que a terra é o centro do universo e o sol e as demais estrelas, bem como os outros planetas, giram ao redor da terra, que fica estacionária. Esta hipótese, é bom que se diga, corresponde plenamente ao que nos indicam nossos sentidos. Nossos sentidos nos dão a impressão de que a terra fica parada, não se movimenta, e que os outros corpos celestes se movem ao redor dela. Se nos basearmos apenas nos sentidos, a hipótese geocêntrica parece bastante bem confirmada pela evidência. Mais bem confirmada do que a hipótese heliocêntrica.

No entando, aqui vêm os cientistas, e propõem uma hipótese totalmente contrária à evidência dos sentidos: a hipótese de que a terra não só gira em torno de um eixo como gira ao redor do sol, que é o centro do sistema planetário de que a terra faz parte. Para acreditar na hipótese heliocêntria, é forçoso duvidar do que nos dizem nossos sentidos, é preciso admitir que nossos sentidos nos enganam em relação a questões bem fundamentais.

Que nossos órgãos dos sentidos às vezes nos enganam é fato sobejamente conhecido, desde a antigüidade mais remota. Mas o que começa a surgir agora é a inquietante pergunta: será que nossos sentidos não nos enganam sempre? Se é verdade que a terra gira, em torno de um eixo e ao redor do sol, contrário ao que dizem os sentidos, será que esses sentidos não nos enganam em outros aspectos também? Será que realmente conhecemos a realidade?

Pior do que isso: às vezes sonhamos, ou temos alucinações, e imaginamos ver coisas que não estão lá. O que é que garante que não estamos sempre sonhando ou alucinando? O cético começa a duvidar, não só de que temos conhecimento adequado da realidade, mas mas da própria existência de uma realidade por detrás de suas idéias. Pode ser que estejamos sempre sonhando ou alucinando!

As tendências básicas da filosofia pré-moderna começam a ser colocadas em questão.

Um outro evento que ajudou a questionar as bases da filosofia pré-moderna foi a reforma protestante do século XVI.

Em um aspecto importante, a reforma protestante colocou em questão o problema do critério de verdade religiosa (Popkin, cf Kenny).

Em outro aspecto importante, e relacionado, a filosofia pré-moderna, como vimos, acreditava que, partindo dos sentidos, era possível chegar ao conhecimento de uma realidade que transcende os sentidos: a chamada realidade supra-sensível (ou o que comumente se chama de "sobrenatural"). Em geral, acreditava-se que era possível ter conhecimento de Deus (por exemplo) pela chamada "via natural", ou seja, através da razão humana refletindo sobre os dados fornecidos pelos sentidos.

É verdade que a filosofia pré-moderna, em geral, admitia que não podemos ter conhecimento pleno de Deus pela via natural. O conhecimento assim obtido era relativamente elementar, dizendo respeito apenas ao fato de que Deus existe e a algumas características que ele tem, ou não tem. Para se chegar ao conhecimento pleno de Deus, a filosofia pré-moderna geralmente admitia a necessidade de uma revelação divina, que suplementaria o conhecimento obtido através da razão assistida pelos sentidos. Esse conhecimento complementar não seria alcançado pela razão, mas pela fé -- embora a filosofia pré-moderna geralmente tenha mantido que a fé, embora supra-racional, não é contra-racional, ou anti-racional, ou irracional.

A reforma protestante do século XVI não só negou como violentamente criticou essa tendência empírio-racionalista da filosofia pré-moderna. Lutero chamou a razão de prostituta, a afirmou que o conhecimento de Deus só vem pela fé, não pela razão, e que a fé é algo que se opõe à razão. Na verdade, em alguns pronunciamentos dos reformadores, chega-se a defender o ponto de vista de que a fé é tão mais intensa quanto mais irracional for o seu objeto. O importante é a fé, não o conhecimento natural. E para demonstrar que a fé é mais importante do que a razão, alguns dos reformadores procuraram mostrar quão falha é a razão humana -- contaminada que foi pelo pecado -- e os sentidos humanos -- freqüentemente enganados e enganosos.

O resultado desse esforço foi ceticismo em relação à capacidade humana não só de conhecer o que jaz além dos sentidos, mas também em relação à capacidade humana de conhecer, simplesmente. A esse ceticismo, correspondeu sempre um fideísmo -- a tese de que o importante é crer.

Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/moderna.htm

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