Heráclito e Parmênides

domingo, 22 de fevereiro de 2009

 


Heráclito de Éfeso considerava a Natureza (o mundo, a realidade) como um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo dos seres em mudança perpétua. Dizia: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. Comparava o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido seca, tudo se transforma no seu contrário.

A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo não cessa de se transformar perenemente, como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a verdade como mudança contínua.

Parmênides de Eléia colocava-se na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar sobre as coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.

Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece idêntico a si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande, o grande diminui, o doce amarga, o quente esfria, o frio se aquece, o líquido vira vapor ou vira sólido.

Como pensar o que é e o que não é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar é dizer o que um ser é em sua identidade profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito – perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis.

Texto extraído do livro Convite à filosofia de Marilena Chauí

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